Instabilidade Permanente: A Indústria da Moda Entra no Novo Normal

The State of Fashion 2026 mostra que a moda entra num ciclo de instabilidade permanente marcado por tarifas, IA e mudança no comportamento do consumidor.

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A edição The State of Fashion 2026, publicada pela The Business of Fashion e pela McKinsey & Company, confirma que a indústria da moda entra no próximo ano sem o horizonte de estabilidade que caracterizou outras fases do setor. A instabilidade não é um risco conjuntural mas sim o novo normal. Segundo o relatório, 46% dos executivos acreditam que as condições da indústria vão deteriorar-se em 2026, um aumento face aos 39% registados na edição anterior. Em paralelo, 78% dos líderes de empresas de moda identificam a perda de confiança do consumidor como a maior ameaça à capacidade de crescimento, numa conjuntura marcada por custos crescentes, tarifas imprevisíveis e pressões geopolíticas.

Carlos Sánchez Altable, sócio da McKinsey & Company e líder do setor da moda e luxo na Ibéria, resume esta transição ao afirmar que “o antigo manual da moda já não se aplica”. O responsável defende que o setor precisa de “agilidade organizacional, integração transversal da IA e reconexão com consumidores que estão a redefinir o verdadeiro significado de valor”. A polarização crescente entre executivos, dos quais 25% acreditam numa melhoria das condições, mais do que no ano anterior, revela uma indústria a viver em tensão entre pessimismo e otimismo moderado.

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Mercados estagnados e consumidores mais exigentes

O relatório indica que os principais mercados se manterão estagnados, com crescimentos entre 1% e 2% na Europa e entre 1% e 3% nos EUA e na China. Esta desaceleração contrasta com a dinâmica observada noutros períodos e pressiona as marcas a competir pela mesma base de consumidores com maior intensidade.

No segmento de luxo, espera-se um ligeiro aumento do crescimento, motivado pela entrada de novos diretores criativos e pelo fim de um ciclo prolongado de desaceleração. O mid-market assume agora, segundo o McKinsey Global Fashion Index, o papel de principal gerador de valor do setor, um movimento que altera prioridades estratégicas e pressiona o luxo a recalibrar modelos, narrativas e propostas de valor.

A sensibilidade ao preço mantém-se elevada, mas com uma nuance importante: 31% dos consumidores estão dispostos a gastar mais se encontrarem “o produto certo”. Este comportamento abre espaço para diferenciação e reforça a importância da qualidade percebida, da autenticidade e de uma narrativa clara, especialmente em marcas que procuram posicionar-se acima dos segmentos ultra low-cost.

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Tarifas, geopolítica e cadeias de abastecimento sob pressão

O impacto das tarifas comerciais norte-americanas introduzidas em 2025 é uma das grandes forças estruturantes de 2026. Setenta e seis por cento dos executivos afirmam que as disrupções comerciais e o aumento das tarifas serão o principal fator que moldará a indústria no próximo ano. Aproximadamente 40% dos líderes veem as perturbações no comércio global como um risco significativo, obrigando marcas e fornecedores a redesenhar cadeias de abastecimento, ajustar margens e revisar estratégias de preço.

Este contexto explica porque 71% dos executivos planeiam aumentar preços em 2026, com especial incidência na América do Norte, onde quase metade dos gestores aponta subidas superiores a 5%. A pressão tarifária, aliada à volatilidade geopolítica, está a acelerar a necessidade de cadeias mais flexíveis, diversificadas e tecnologicamente capacitadas para navegar um ambiente volátil.

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IA generativa transforma o consumo e inaugura a era do GEO

A tecnologia é vista como a maior oportunidade estratégica para 2026. O relatório mostra que a IA generativa ultrapassa prioridades como diferenciação de produto e sustentabilidade, tornando-se o eixo estruturante das operações das marcas líderes. Para os consumidores, a transformação já está em curso: 23% utilizam IA para descobrir produtos e, nos EUA, 53% dos utilizadores de IA em pesquisas recorrem a estes sistemas para fazer compras.

Este fenómeno inaugura a transição do SEO clássico para o GEO ‑ Generative Engine Optimization. À medida que ferramentas como ChatGPT ou Gemini passam a mediar a descoberta de moda, a visibilidade depende de conteúdos que possam ser interpretados pelos modelos, não apenas pelos utilizadores. O relatório indica que 41% dos consumidores confiam mais nos resultados gerados por IA do que na publicidade tradicional e que 85% estão mais satisfeitos com compras assistidas por IA, evidenciando uma mudança profunda nos padrões de reputação e influência.

A integração da IA no centro das operações deixa de ser opcional. Para permanecer visível num ecossistema dominado por motores generativos, as marcas terão de reconfigurar bases de dados, processos criativos, mensagens comerciais e modelos de contacto com o cliente.

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Novas categorias em ascensão: joalharia, revenda e óculos inteligentes

Apesar da estagnação generalizada, algumas categorias destacam-se pela resiliência e potencial. A joalharia deverá crescer 4,1% ao ano até 2028, impulsionada por consumidores que procuram peças duradouras e identidades estéticas mais sólidas. A revenda mantém igualmente forte tração, com expectativas de crescimento duas a três vezes superior ao mercado primário até 2027.

A grande novidade é a ascensão dos óculos inteligentes, previstos como os acessórios com crescimento mais rápido até 2028. Com previsões de expansão anual de 9%, esta categoria cruza moda, tecnologia e bem-estar, tornando-se uma das apostas estratégicas para marcas que procuram diversificar portefólios e captar novos públicos.

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A década que moldou a moda contemporânea

Na celebração dos seus dez anos, o relatório The State of Fashion revisita as macrotendências que definiram o setor desde 2016: sustentabilidade, aceleração digital, novos mercados emergentes, comportamento do consumidor e as grandes disrupções globais, do Brexit à pandemia e ao realinhamento geopolítico. Esta retroperspetiva sublinha que a moda evolui num equilíbrio instável entre criatividade, tecnologia e volatilidade externa.

À entrada de 2026, o setor enfrenta um cenário exigente, mas não necessariamente pessimista. As marcas que conseguirem combinar agilidade organizacional, integração profunda da IA e propostas de valor emocionalmente relevantes estarão melhor posicionadas para prosperar neste novo normal marcado por incerteza, competição intensa e transformação rápida.

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