Neste artigo, Dmytro Tereshchenko, Chief Information Security Officer da Sigma Software Group salienata que a independência digital é frequentemente apresentada como um objetivo estratégico europeu para os próximos anos. No entanto, como defende o autor, essa ambição deixou de ser apenas uma visão de futuro: tornou-se uma questão de sobrevivência tecnológica, económica e geopolítica.
Reimaginar a Independência Digital da Europa
Na Europa fala-se cada vez mais de independência digital, desde clouds soberanas a estratégias de IA e iniciativas no setor dos semicondutores. Porém, apesar da ambição, a soberania digital continua a ser sobretudo uma aspiração. A realidade é clara: mais de 80% dos produtos e serviços digitais utilizados na Europa dependem de fornecedores e infraestruturas localizadas fora do continente. Muitos dos dados europeus estão armazenados em clouds de empresas norte-americanas, e grande parte da cadeia de inovação permanece sob o controlo de players globais.

Ainda assim, a Europa não esteve parada. Desde a criação do RGPD, que estabeleceu um novo padrão global de proteção de dados, até à emergência de fornecedores cloud europeus como a OVHcloud, Hetzner e Scaleway, nas últimas duas décadas foram construídos pilares importantes de soberania digital. Estes avanços mostram que o continente reconhece a urgência do tema. Contudo, no final de 2025, os novos contextos geopolíticos, tecnológicos e cibernéticos voltaram a tornar este debate prioritário.
Como afirmou João Annes, presidente da APECSYS, num recente evento realizado na Ucrânia, “o ciberespaço tornou-se o espaço de guerra total, onde todos os alvos são legítimos”.
A Europa não pode construir uma independência duradoura sobre sistemas frágeis. A autonomia estratégica, sem resiliência operacional, é uma ilusão. Se a infraestrutura, os fluxos de dados e os serviços críticos não conseguirem resistir a choques, a autonomia não passa de retórica.

O Custo da Dependência
A dependência não é abstrata ‑ é mensurável e tem custos significativos. Um estudo da Asterès estima que as empresas europeias transferem anualmente 265 mil milhões de euros para fornecedores norte-americanos de software e cloud ‑ um valor equivalente a cerca de 1,5% do PIB da União Europeia.
A adoção de cloud continua a crescer, mas de forma desigual. Quase metade das empresas europeias recorre atualmente a serviços cloud, mas o aumento é especialmente expressivo nas pequenas e médias empresas. Em vários países, mais de 60% das empresas já operam workloads críticos em ambientes não europeus. O custo não é apenas financeiro ‑ é também estratégico.
Simultaneamente, a Europa procura aumentar a capacidade de data centres. As previsões apontam para um crescimento de 22% em 2025, embora a procura esteja a ultrapassar a oferta. Em hubs fundamentais como Frankfurt, Londres, Amesterdão e Paris, o espaço é escasso e os custos com terrenos e energia estão a subir.
O consumo energético é outro desafio: projeta-se que o consumo dos data centres europeus quase triplique até 2030, exigindo investimentos massivos em infraestrutura. A dependência compromete também a soberania científica. O Parlamento Europeu alertou recentemente para os riscos da dependência de bases de dados controladas externamente, sobretudo nos EUA, que podem afetar a integridade da investigação científica, da modelação climática e da saúde pública.
A conclusão é inequívoca: a Europa está a expandir a sua presença digital, mas com fundamentos que não lhe pertencem.

Redefinir Independência e Soberania
Os termos “independência digital” e “soberania digital” são muitas vezes usados como sinónimos, mas correspondem a objetivos distintos. A soberania implica que a Europa defina e aplique as suas próprias regras para dados, infraestrutura e tecnologias. A independência, por sua vez, significa ter capacidade para operar livremente em redes globais, sem controlo externo.
Na prática, os dois conceitos devem coexistir: soberania para proteger, independência para competir.
A soberania não é um muro ‑ é a confiança de que a Europa pode proteger o essencial e permanecer aberta ao mundo.

A independência digital não deve significar isolamento, mas sim escolha, controlo e interoperabilidade. Isso implica:
- liberdade para escolher e mudar de fornecedores;
- controlo sobre infraestrutura crítica, dados e sistemas de confiança;
- interoperabilidade para integrar redes globais com autonomia europeia.
A verdadeira independência deve parecer um ecossistema, não uma ilha.
A Europa já deu passos nesta direção através de iniciativas como o GAIA-X e o Cloud Sovereignty Framework, que procuram criar infraestruturas digitais confiáveis e interoperáveis. O lançamento do AWS Sovereign Cloud, alinhado com os princípios europeus de proteção de dados, mostra que os atores globais e europeus podem colaborar num modelo de soberania construída por design.
Na Sigma Software Group, contribuímos para estes esforços através de parcerias com o GAIA-X e o AWS Sovereign Cloud, ajudando organizações a construir sistemas seguros, conformes e preparados para o futuro.
Tecnologias como o Confidential Computing, que permite a encriptação de dados mesmo durante o processamento — reforçam a capacidade da Europa proteger informação sensível, combinando inovação com soberania. Ao adotar estas soluções, as organizações europeias podem equilibrar confiança, conformidade e competitividade.
A Ucrânia, por outro lado, oferece um modelo relevante: ao criar tecnologia orientada para pressões reais ‑ nas áreas de ciberdefesa e resiliência ‑ demonstra como a inovação em contexto de crise pode fortalecer a soberania, e não apenas garantir sobrevivência.

A Coragem de Escolher
A independência é uma aposta estratégica e exige uma mudança de mentalidade. Durante décadas, a política tecnológica europeia privilegiou a gestão de risco em detrimento do investimento arrojado, a regulação em vez da iniciativa, a conformidade sobre a criatividade. Agora, é urgente agir nos domínios onde mais importa, mesmo que isso implique incómodo ou custos.
A verdadeira independência digital não passa por construir fronteiras, mas por fortalecer resiliência, soberania e adaptabilidade. Só assim a Europa poderá transformar dependência em dignidade.
O talento, a infraestrutura e os enquadramentos legais já existem. Falta transformar ambição em capacidade e regulamentação em determinação.
O caminho para a independência digital começa na resiliência e culmina na autonomia. Qualquer coisa aquém disso é mera aspiração. Se a Europa não consolidar hoje os alicerces da sua soberania digital, arrisca-se a perder amanhã a autonomia antes mesmo de a alcançar.
A experiência da Ucrânia mostra isso com clareza: a resiliência construída sob pressão pode transformar-se em soberania em tempo de paz. A Europa faria bem em recordar esta lição porque, na era digital, a verdadeira segurança começa no código, não na fronteira.





