A geopolítica da inteligência artificial: quem dominará o poder digital?

A geopolítica da inteligência artificial revela desafios estratégicos globais e a disputa pelo poder digital nos sistemas operativos.

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A inteligência artificial entrou na sua fase mais sensível: já não se discute apenas a capacidade computacional — discute-se o controlo. O lançamento do Gemini 3 e a aproximação estratégica entre a Google e a Apple assinalam o momento em que o modelo de IA deixa de competir pela inteligência e começa a competir pelo acesso ao utilizador. O poder desloca-se do algoritmo para a distribuição. A geopolítica da inteligência artificial estabelece que quem detiver o sistema operativo deterá a IA e, em consequência, o quotidiano digital de milhões de pessoas.

A Google já domina a pesquisa na Internet, o YouTube, o Maps, o Gmail e sobretudo o sistema operativo Android. Agora, com as negociações para um acordo bilionário, estimado em cerca de 1 milhão de dólares (ou 868 milhões de euros) por ano, para disponibilizar a inteligência artificial (IA) da Google ‑ o Gemini ‑ na Siri e no ecossistema iOS da Apple, a IA da Google pode tornar-se omnipresente nos dois principais sistemas operativos móveis do planeta.

Isto não é apenas disrupção tecnológica ‑ é uma mudança silenciosa de poder que ameaça os outros modelos de inteligência artificial. A OpenAI percebeu-o: não é o seu modelo que está em causa, mas a sua sobrevivência como porta de entrada. Sem canal próprio nem ecossistema operativo, a empresa arrisca tornar-se invisível dentro do sistema onde antes reinava. O trunfo da IA deixou de ser o software; passou a ser infraestrutura crítica.

a China na geopolítica da inteligência artificial
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Huawei: o terceiro vértice da tensão global

A competição também já não é apenas entre os modelos tecnológicos do Ocidente, até agora liderados pelo Chat GPT da OpenAI. A Huawei acelera silenciosamente com duas armas que quase nenhum concorrente possui: hardware próprio e um sistema operativo próprio. O HarmonyOS e o modelo Pangu desenham a possibilidade de uma arquitetura completa de IA produzida e controlada na China. Não é apenas tecnologia ‑ é soberania tecnológica, com dados internos, autonomia industrial e um enquadramento regulatório favorável à expansão.

Podemos estar a assistir à formação de três blocos de IA:

  • Google–Apple como frente ocidental dominante,
  • Huawei como eixo asiático de soberania digital,
  • OpenAI como força intermédia sem base territorial própria.

Quando a IA passa a viver no dispositivo e não apenas na cloud, a luta pelo mercado transforma-se numa luta pelo controlo do comportamento digital. O risco já é visível: a competição pode desaparecer e ser substituída por ecossistemas fechados ‑ tão poderosos quanto difíceis de questionar.

Europa perde influencia na geopolítica da inteligência artificial
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Europa: a encruzilhada entre regular e criar

A Europa quer afirmar-se na inteligência artificial, mas na encruzilhada decisiva opta por regular sem inovar. Na prática é apenas atrasar. Os europeus têm sido exemplares na definição de princípios como privacidade, direitos digitais, transparência,  mas a regulação sem capacidade industrial arrisca converter-se em fragilidade. A história recente mostra que a Europa domina a ética, mas não domina o mercado. E o risco é claro: pretende ser um árbitro da inovação dos outros, mas acaba por ser irrelevante no jogo da geopolítica da inteligência artificial.

O AI Act é importante, mas não responde à pergunta decisiva: quem vai produzir os modelos, em que infraestruturas, com que capital e para que mercados? Sem uma política industrial coordenada, a inteligência artificial seguirá o mesmo caminho dos semicondutores, descobertos no papel, importados na prática.

A Mistral AI é a exceção que confirma a regra: talento europeu, visão europeia, mas sem ecossistema e sem canais de distribuição próprios. A Europa não falha na investigação, falha na escala. Falha na transformação da ciência em produto e na construção de cadeias de valor que sustentem empresas tecnológicas até à maturidade.

Se o rumo não mudar, a IA será apenas mais um exemplo de dependência tecnológica externa: seremos eficientes reguladores, mas acabaremos por usar aquilo que nos é imposto. A Europa pode ser pioneira da ética, mas sem liderança tecnológica, arrisca-se a ser apenas depositária de princípios e destinatária de software alheio. A alternativa é ficar à margem do progresso no clássico “quem não gosta, não come”.

A especulação financeira e a geopolítica da inteligência artificial
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Uma bolha à vista? O mercado começa a desconfiar

A retórica da IA está a perder fôlego: as promessas são grandiosas, os investimentos são milionários, mas a implementação continua lenta e fragmentada. Os investidores exigem resultados imediatos, porém a IA exige reestruturação profunda das organizações, novos modelos de negócio e revisão de competências internas ‑ processos que levam tempo. O mercado começa a perceber a distância entre o discurso e a prática, e essa distância é terreno fértil para desilusão financeira. Uma correção pode estar próxima e talvez até seja necessária para restaurar equilíbrio e credibilidade.

Aqui, a história volta a ensinar. A Microsoft dominou os sistemas operativos, mas nunca conseguiu impor o seu browser ao mundo. O poder estava lá, mas a adoção escapou-lhe. A tecnologia pode ser estruturante, mas a escolha do utilizador continua a ser decisiva. Um modelo de IA talvez possa escrever bem, programar melhor e aprender depressa, mas se não tiver contexto real, confiança humana e utilidade concreta, permanecerá sofisticado e inútil.

As empresas estão a descobrir que a IA não é “plug-and-play”. É reorganização, reestruturação e aprendizagem permanente. Isso exige tempo e os mercados têm pouca paciência. A questão já não é técnica. É temporal e estratégica: quem tem capacidade para aguentar o processo até se tornar viável?

os desafios do futuro da Inteligência Artificial
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E se a inteligência artificial não for inevitável?

Fala-se da IA como se fosse destino, mas nada é inevitável no mundo tecnológico. Se a inteligência artificial for capturada por ecossistemas fechados, tornar-se-á apenas um instrumento de dependência: algoritmos invisíveis a processar comportamentos previsíveis. Mas se for acompanhada de educação digital, literacia crítica e capacidade de questionar, poderá ser um dos grandes aceleradores de autonomia criativa do nosso tempo. A IA tanto pode reduzir-nos a consumidores de padrões como pode libertar-nos da repetição do trabalho, depende de quem a orientar, e com que propósito.

A tecnologia não tem moral nem direção; apenas avança. O rumo final é humano. E é nesse ponto que a verdadeira decisão começa:
Queremos uma IA como muleta, como vigilância ou como extensão da nossa inteligência?
Uma coisa é certa: a IA já não é apenas software ‑ é poder!
E a questão decisiva é esta: quem terá poder sobre o poder?

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