“Apenas 10% das empresas de medtech estão hoje a criar valor com a IA Generativa, face a 24% nos restantes setores. O atraso compromete a competitividade futura.” A afirmação é de Eduardo Bicacro, Partner da Boston Consulting Group (BCG) em Lisboa, e sintetiza o alerta central do mais recente estudo da consultora, que coloca o setor de tecnologias médicas (medtech) no grupo dos que menos estão a aproveitar o potencial da inteligência artificial generativa.
Apesar de a IA Generativa estar já a transformar setores inteiros, o medtech continua a registar um impacto limitado ou nulo. O relatório “Medtech Can Improve Quality and Regulatory Processes with Gen AI”, publicado esta semana, identifica as razões para este atraso, os benefícios concretos da adoção da tecnologia e apresenta três estratégias-chave para inverter o cenário.
Atraso tecnológico num setor pressionado pela regulação
O desenvolvimento e comercialização de dispositivos médicos tornaram-se mais exigentes com a entrada em vigor do Regulamento Europeu de Dispositivos Médicos (MDR), os novos regulamentos de saúde digital e cibersegurança, e a crescente escassez de especialistas em conformidade regulamentar. Neste quadro, a IA Generativa surge como solução viável para acelerar processos e reforçar a qualidade.
No entanto, como explica Eduardo Bicacro, a lenta adoção no setor resulta de uma dificuldade estrutural: “muitas organizações não conseguem promover uma transformação efetiva dos seus processos e formas de trabalhar, condição essencial para uma adoção bem-sucedida.” Enquanto as empresas biofarmacêuticas já conseguiram reduzir em 70% o tempo de elaboração de relatórios clínicos e documentos regulatórios, o setor medtech permanece preso a processos morosos e manuais.
IA Generativa pode reduzir tempo e erros na área regulamentar
A aplicação da IA Generativa nas empresas de medtech pode reduzir significativamente o tempo necessário para tarefas como:
- Redação de documentos regulatórios e relatórios de estudos clínicos (até 70% de redução)
- Criação e tradução de manuais de instruções e documentação técnica (até 60% de redução)
- Tratamento automatizado de reclamações e análise de feedback de clientes
- Geração de IFUs (instruções de uso) em múltiplos idiomas com conformidade internacional
Estes ganhos de eficiência não apenas aceleram os ciclos de aprovação e colocação de dispositivos no mercado, como também reduzem a probabilidade de erro humano e aumentam a consistência dos documentos.
Três abordagens para a transformação com IA Generativa
O estudo da BCG identifica três níveis de maturidade tecnológica que as empresas de medtech podem adotar:
- Uso de ferramentas prontas para tarefas rotineiras – soluções simples de IA generativa já existentes, aplicáveis à gestão documental e ao apoio na conformidade.
- Transformação das operações com IA – redesenho dos processos internos para incorporar a tecnologia como parte central das operações, exigindo formação e adaptação de equipas.
- Reinvenção baseada em IA personalizada – desenvolvimento de soluções à medida, com investimento elevado, mas com potencial para ganhos disruptivos de competitividade.
Três estratégias para acelerar a adoção da IA Generativa no medtech
A BCG recomenda três caminhos concretos para as empresas do setor ultrapassarem o bloqueio atual:
- Iniciar com projetos piloto de impacto
Começar com iniciativas de pequena escala em áreas críticas, como documentos regulamentares ou gestão de reclamações, permite validar resultados e expandir com confiança. - Equilibrar automação com supervisão humana
A adoção bem-sucedida exige equilíbrio entre automação e validação humana. Em setores regulados, a supervisão é essencial para garantir conformidade e segurança. - Construir uma narrativa positiva e envolver equipas
O sucesso da transição tecnológica depende do alinhamento interno. Formar equipas, envolver utilizadores-chave e comunicar benefícios da IA são fatores críticos para criar adesão à mudança.
Transformar antes que seja tarde
O setor de medtech enfrenta hoje um ponto de viragem. O contexto regulamentar é exigente, a concorrência está a acelerar e os recursos humanos são escassos. Ignorar o potencial da IA Generativa não é apenas uma escolha tecnológica — é uma decisão estratégica que pode comprometer a sustentabilidade e a competitividade de muitas empresas nos próximos anos.
Como conclui Eduardo Bicacro, “a transformação não é sobre substituir pessoas, mas sobre libertar talento para o que realmente importa”. E esse poderá ser o verdadeiro propósito da IA Generativa no setor da saúde: dar tempo à ciência para ser mais humana.