A Web Summit assinala o 10.º aniversário do seu programa Women in Tech com um retrato inquietante: embora mais mulheres se sintam preparadas para liderar, a perceção de retrocesso na igualdade de género na tecnologia aumentou. Segundo o State of Gender in Tech Report 2025, quase 60% das mulheres acreditam que o equilíbrio de género piorou no último ano, uma inversão face à tendência otimista observada em 2024.
O estudo, baseado em 671 participantes de 45 países, revela uma geração confiante mas exausta. “Apesar de maior consciência sobre os desafios, as lutas continuam as mesmas: o preconceito e o equilíbrio entre vida profissional e pessoal ainda dominam”, comentou Catarina Burguete, Acting Community Manager da Web Summit.

IA: promessa de inclusão ou novo campo de desigualdade?
A inteligência artificial surge como o grande paradoxo do relatório. Mais de 77% das mulheres utilizam IA diariamente, e três em cada quatro acreditam que esta tecnologia pode promover a inclusão e ajudar a reduzir a sobrecarga de tarefas. No entanto, 25% receiam que os algoritmos perpetuem os mesmos vieses de género que há décadas limitam as oportunidades femininas.
Casos como o do sistema de recrutamento da Amazon — que discriminava candidaturas femininas por aprender com dados enviesados — ilustram este risco. Ainda assim, ferramentas no-code e soluções de automação são vistas como aliadas para libertar tempo e aumentar a autonomia profissional das mulheres.

Sexismo persistente e o preço do desempenho
Os avanços no discurso da diversidade contrastam com a realidade quotidiana: 49% das inquiridas reportaram experiências de sexismo no trabalho, uma percentagem praticamente inalterada face a anos anteriores. E 82% afirmam sentir que precisam de trabalhar mais do que os homens para serem levadas a sério.
Este esforço constante cobra um custo emocional. “As falhas das mulheres são vistas como incapacidade, e não como oportunidades de aprendizagem”, lamenta uma das participantes citadas no relatório.

Liderar, apesar de tudo
Há, contudo, sinais de mudança. O sentimento de empowerment é o mais alto de sempre: 81% das mulheres dizem-se prontas para assumir cargos de liderança, contra 76% em 2024. Porém, o caminho para o topo continua desigual — apenas 58% referem ter mulheres no C-suite das suas empresas e quase 15% admitem não conhecer nenhuma.
As quotas continuam a dividir opiniões: metade das entrevistadas acredita que algumas nomeações servem apenas para preencher metas de diversidade, o que reforça a perceção de que a inclusão ainda depende mais de símbolos do que de estruturas sustentáveis.
O desafio do equilíbrio e a urgência de políticas estruturais
O dilema entre carreira e família agrava-se: 56% das mulheres sentem que precisam de escolher entre sucesso profissional e vida pessoal, mais sete pontos do que em 2024. A falta de apoio à parentalidade e programas de regresso ao trabalho são apontados como lacunas críticas.
Para muitas, a igualdade de género na tecnologia exige medidas concretas: desde o financiamento de startups fundadas por mulheres à criação de políticas públicas que combatam o retrocesso político e cultural que ameaça anos de progresso.

Comunidade e futuro
O relatório conclui com uma nota de esperança: 65% das participantes demonstram maior interesse em redes e iniciativas femininas do que há uma década. O programa Women in Tech da Web Summit, criado em 2015, já impulsionou a presença feminina nos seus eventos de 25% para mais de 40%.
A próxima década, alerta o estudo, exigirá mais do que representatividade. Será preciso dissolver as estruturas culturais que sustentam o sexismo e a desigualdade, transformando a tecnologia num espaço verdadeiramente equitativo — não apenas para as mulheres, mas para todas as vozes que constroem o futuro digital.