“O inimigo está às portas: é tempo de a Europa sair da sua bolha de conforto”

A Europa precisa de sair da sua bolha de conforto e apostar na resiliência digital para garantir a sua soberania e segurança.

Dmytro Tereshchenko, Chief Information Security Officer na Sigma Software Group
Na foto: Dmytro Tereshchenko, Chief Information Security Officer na Sigma Software Group

Neste artigo, Dmytro Tereshchenko, Chief Information Security Officer na Sigma Software Group, recomenda apostar na resiliência digital para garantir a soberania e segurança na Europa.

Quando viajo pela Europa e falo com especialistas em cibersegurança, decisores políticos e líderes empresariais, vejo um continente digitalmente avançado, mas ainda despreparado em termos de segurança digital.
A prosperidade e a estabilidade deram origem a uma perigosa sensação de segurança. Muitos países continuam a acreditar que os ciberataques de grande escala são algo que acontece “noutros lugares” — mas esse “noutro lugar” está a encolher rapidamente.

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Foto: Pixabay

Resiliência acima do conforto

Na Ucrânia, a resiliência digital tornou-se sinónimo de sobrevivência. Aprendemos da forma mais dura o que significa ver infraestruturas críticas sob ataque físico e cibernético. Blackouts massivos mostraram como sistemas básicos — energia, banca, comunicações — podem colapsar sem redundância e planos de continuidade.
Como afirmou João Annes, presidente da APECSYS em Portugal:

“O ciberespaço tornou-se um campo de guerra total, onde todos os alvos são legítimos porque não existe convenção internacional que o proíba. Antes da estratégia, vem a resiliência.”

A ambição europeia de soberania digital é legítima, mas prematura sem verdadeira resiliência. Atualmente, cerca de 80% dos produtos e serviços digitais europeus dependem de infraestruturas externas, e grande parte dos dados da UE está armazenada em clouds norte-americanas. Um ataque significativo poderia paralisar o continente e fazê-lo recuar décadas.

A lacuna entre consciência e ação

A Europa aprendeu com o exemplo ucraniano — pelo menos no papel. Porém, como alerta João Annes, “não estamos a fazer 10% do que deveríamos para aplicar essas lições”.
Muitas organizações continuam a tratar a cibersegurança como mera conformidade legal, em vez de prioridade estratégica. Regulamentos como o CRA e o NIS2 são passos importantes, mas só terão valor se se traduzirem em práticas reais e ecossistemas digitais capazes de resistir a ataques prolongados.

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Lições de uma guerra digital

Os especialistas ucranianos têm algo raro: experiência real em defesa de infraestruturas críticas sob fogo. Essa vivência é o que falta à Europa. A proposta de João Annes de seguir um modelo “à israelita” — distinguir o que não se vende, o que se comercializa e o que se exporta — mostra um caminho possível para transformar tecnologia de defesa em produtos comerciais.
A recente abertura da Ucrânia às exportações de defesa reforça essa oportunidade: ao partilhar know-how, o país ajuda a Europa a ganhar resiliência enquanto fortalece o seu próprio setor tecnológico.

Portugal: conectado, mas exposto

Portugal é exemplo desse paradoxo europeu. É um dos países mais conetados do continente — 25% dos cabos submarinos mundiais passam pelo território e o país prevê cobertura gigabit total até 2030. A NVIDIA prepara-se para instalar uma megafábrica de IA, mas o país continua vulnerável, com 4 000 infraestruturas críticas em risco.

“Precisamos de mudar o foco: proteger o essencial em vez de tentar proteger tudo”, defende João Annes.

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Resiliência partilhada, futuro comum

A Europa não precisa de reinventar a resiliência, mas de a aprender. Isso exige cooperação e humildade. Parcerias entre entidades ucranianas e europeias — como a adesão da Sigma Software Group à APECSYS — podem criar produtos, serviços e competências que reforcem a segurança e a autonomia digital do continente.

Coragem para o futuro

No século XIX, Portugal modernizou as suas forças armadas com ajuda estrangeira, garantindo décadas de soberania. “Por que não aproveitar agora a experiência ucraniana para fortalecer a Europa?”, questiona João Annes.
A resposta é simples: o futuro da soberania europeia dependerá menos do conforto e mais da coragem — a coragem de preparar, cooperar e colocar a resiliência no centro da estratégia.
Porque se a Europa não construir resiliência hoje, amanhã pode já ser tarde demais.

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