Transição Energética: Desaceleração Inesperada no Financiamento Global

O financiamento da transição energética cresce, mas continua desigual e desafia metas globais até 2030.

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O novo relatório Global Landscape of Energy Transition Finance 2025, da IRENA e da Climate Policy Initiative, mostra que o financiamento da transição energética atingiu um recorde histórico em 2024. Contudo, o documento revela uma segunda narrativa: a desigualdade estrutural no acesso ao capital e o ritmo insuficiente para cumprir a meta global de triplicar a capacidade renovável até 2030.

Portugal, dentro do contexto europeu, integra uma região considerada avançada na capacidade de financiar a sua própria transição, mas ainda profundamente exposta a dependências externas e a pressões geopolíticas.

O investimento mundial na transição energética subiu para 2,4 biliões de dólares em 2024, cerca de 20% acima da média dos dois anos anteriores. Ainda assim, a evolução esconde um sinal de alerta: o crescimento específico das energias renováveis abrandou drasticamente — de 32% em 2023 para apenas 7,3% em 2024.

investimentos verdes
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Segundo o relatório, cerca de um terço desse montante correspondeu a tecnologias de energia renovável, com 807 mil milhões de dólares destinados ao setor. A energia solar fotovoltaica liderou com 554 mil milhões de dólares, refletindo um aumento expressivo de 49%.

Apesar destes números robustos, Francesco La Camera, diretor-geral da IRENA, sublinha que o avanço já é insuficiente para garantir os compromissos assumidos no Acordo de Paris: “Os investimentos na transição energética continuam a crescer, mas não ao ritmo necessário para atingir a meta global de triplicar a capacidade renovável até 2030.”

O responsável alerta ainda para a assimetria global no acesso ao financiamento. Embora o financiamento para energias renováveis esteja a aumentar, continua altamente concentrado nas economias mais avançadas. “Para que a transição seja verdadeiramente inclusiva e global, é essencial reforçar o apoio aos países emergentes e em desenvolvimento”, salienta.

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Europa: entre metas climáticas e necessidades energéticas imediatas

O relatório destaca uma contradição europeia que marcou o ano de 2024: enquanto a região reforçou as suas metas de descarbonização, o investimento em combustíveis fósseis também voltou a aumentar. O documento aponta a razão central:

“O aumento dos investimentos em combustíveis fósseis pode ser parcialmente atribuído aos esforços da Europa para garantir fontes alternativas de petróleo e gás após o conflito na Ucrânia.”

Este é um ponto sensível para a União Europeia. Por um lado, a região aparece nas estatísticas da IRENA como beneficiando de “recursos financeiros domésticos robustos”, capazes de sustentar a transição energética sem depender de capital externo. Por outro, enfrenta um novo ciclo de vulnerabilidades energéticas que levou vários Estados-membros ‑ Portugal incluído ‑ a reforçar infraestruturas de gás ou a acelerar contratos de fornecimento alternativo.

Esta tensão entre ambição climática e segurança energética explica, em parte, o abrandamento global no crescimento das renováveis, sobretudo em mercados já maduros como os europeus.

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Portugal no contexto da transição energética europeia

Embora o relatório não detalhe valores nacionais, Portugal é incluído no bloco das economias europeias consideradas “avançadas” na capacidade de financiar a transição, o que significa:

  • dependência menor de financiamento externo;
  • maior maturidade regulatória e institucional;
  • capacidade de atrair capital privado para renováveis, redes e armazenamento.

Contudo, Portugal não está imune aos fatores estruturais identificados no relatório, nomeadamente a forte concentração global das cadeias de valor. A China representou 80% do investimento mundial em fábricas de componentes solares, eólicos, baterias e hidrogénio entre 2018 e 2024. Esta dependência afeta toda a Europa e condiciona a ambição industrial da transição energética portuguesa, que continua vulnerável ao preço, capacidade e política industrial externas.

Além disso, o relatório indica que o investimento global em manufatura para a transição caiu 21% em 2024 — com quedas particularmente acentuadas na cadeia solar — o que limita a expansão de novos polos industriais na Europa. Em contraste, o investimento em fábricas de baterias quase duplicou (74 mil milhões de dólares), refletindo a crescente procura por armazenamento, redes inteligentes e veículos elétricos.

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O financiamento como fronteira decisiva até 2030

A IRENA identifica uma dimensão crítica para os próximos anos: a arquitetura financeira da transição energética está desalinhada com as necessidades globais. Quase metade do investimento de 2024 foi realizado através de dívida a taxas de mercado e apenas uma fração inferior a 1% foi suportada por subsídios.

La Camera reforça esta preocupação ao salientar que “A forte dependência do capital voltado para o lucro está a deixar os países em desenvolvimento para trás. Onde o financiamento privado não flui, o setor público deve liderar, apoiado por uma cooperação multilateral mais forte e por financiamento climático em escala.”

Este ponto ganha relevância para a Europa e para Portugal: se as economias avançadas, mesmo com infraestruturas sólidas, já enfrentam pressões para manter o ritmo de investimento, o desafio é incomparavelmente maior nos países que têm menos espaço fiscal e maior custo de capital.

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Um desafio global com implicações europeias e portuguesas

O relatório IRENA/CPI deixa claro que a transição energética já não depende apenas de tecnologia, vontade política ou metas ambientais. O seu futuro será determinado pelo modelo financeiro global, pela capacidade de reduzir assimetrias e, sobretudo, pela forma como regiões como a Europa reorganizam prioridades entre segurança energética, industrialização verde e dependências externas.

Portugal, como parte deste ecossistema europeu, enfrenta três desafios simultâneos:

  • acelerar o investimento renovável num período de desaceleração global;
  • reduzir dependências em cadeias de valor concentradas fora da Europa;
  • alinhar segurança energética imediata com a ambição climática de longo prazo.

As decisões políticas e financeiras que emergirem nos próximos anos, incluindo na COP30, em Belém, definirão a velocidade de transformação económica e energética de toda a região.

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