Na conferência What’s Next 2025, Carlos Tavares defendeu que a Europa está a perder relevância económica e estratégica e que Portugal deve reencontrar o seu papel atlântico no mundo.
A perda de liderança de valores e a fragmentação global
No Auditório da Universidade Nova, em Lisboa, Carlos Tavares — ex-CEO da Stellantis — fez um diagnóstico severo do contexto internacional. A seu ver, os Estados Unidos deixaram de ser “líderes globais ao nível de valores”, transformando-se numa “sociedade transacional”, guiada por recompensas e punições. A antiga coesão do Ocidente cedeu lugar à lógica de interesses imediatos, enfraquecendo a sua autoridade moral.
A crítica estendeu-se à política de tarifas e protecionismo: “As tarifas não são a resposta para a recuperação da indústria dos Estados Unidos.” Para Tavares, a produção americana “não tem qualidade nem competitividade de custos”, e a tentativa de impor força comercial está a acelerar o declínio da liderança norte-americana.
Entretanto, a China ocupa “o papel de sábio”, reposicionando-se como defensora das regras globais que o Ocidente criou e agora contesta. Essa inversão simbólica — o antigo aluno a invocar as regras do mestre — traduz, segundo Tavares, a mudança real de centro de gravidade económico.
A Europa entre a ilusão e a paralisia
Na análise do ex-líder da Stellantis, a Europa vive uma contradição perigosa. “Os políticos europeus mentem quando prometem a continuação do Estado Social”, afirmou, sublinhando que o modelo nórdico, tantas vezes apontado como exemplo, “não é competitivo para fazer frente à Ásia”.
A União Europeia, alertou, tem perdido foco estratégico. “Em três anos, teve três prioridades: o Green Deal, o investimento em armamento e o fim da pobreza. Três focos, ou nenhum.” A ausência de continuidade transforma o projeto europeu num exercício de improviso político.
Na indústria automóvel, Tavares foi especialmente duro. Criticou a decisão de Bruxelas de impor o fim dos motores de combustão sem avaliar o impacto social: “Há 14 milhões de pessoas a trabalhar na indústria automóvel europeia, mas os veículos elétricos são 50% mais caros.” A mudança terá implicação na produção dos fabricantes europeus, que não conseguem competir com a China, e levará ao encerramento de mais de uma dezena de fábricas na Europa.
A União Europeia, disse, acabou por “castigar todo o setor para punir a Volkswagen” pelo escândalo das emissões poluentes, e prepara-se para entregar o mercado aos fabricantes chineses. Quando os trabalhadores afetados “vierem queimar pneus nas ruas”, antevê, “os políticos europeus aceitarão que as fábricas sejam vendidas à China por um euro”. A metáfora é dura, mas resume a perceção de que a Europa está a perder soberania industrial e autonomia económica.
Portugal: rigor e visão para além da Europa
Se a Europa hesita entre visões contraditórias, Portugal — nas palavras de Tavares — precisa de recuperar a clareza. O país depende em excesso das exportações para o espaço europeu e “não sabe o futuro da União Europeia”. “Portugal andou a reboque da Europa quando ela crescia, agora que cai, irá a reboque também”, sublinha. A solução está na diversificação geográfica e cultural: “Devemos olhar para o sul, para Marrocos. Não podemos ser um fusível das tendências geopolíticas da Europa.”
Mais do que geografia, Tavares propõe uma atitude. “Temos experiência de navegadores, uma atitude de compreensão do outro e não temos uma atitude bélica.” Essa herança atlântica deve ser recuperada como vantagem estratégica. Geograficamente “Portugal está de costas voltadas para o continente europeu e o rosto voltado para o oceano. É por aí que deveremos ir.”
No plano interno, defendeu que o verdadeiro desafio nacional é o rigor. “A capacidade de desenrascar é um trunfo, mas falta-nos rigor para nos diferenciarmos.” Para o gestor, rigor não é burocracia — é pensar o trabalho, não “levar o corpo para o trabalho e deixar a cabeça em casa”. O desinteresse e o automatismo são, diz, “o fenómeno mais perigoso do Ocidente”.
A coesão política, acrescentou, deve nascer do centro, e não dos extremos: “Os partidos centristas têm a obrigação de impedir o crescimento dos extremos, mas passam o tempo a discutir o que o outro não pode fazer.”
Reencontrar o mar e o futuro
No encerramento da conferência, Tavares resumiu o que considera ser a escolha essencial: Portugal não pode “andar a reboque da Europa”, porque “se ela se fragmenta, o que faremos?”. O país tem no mar um território de futuro e na abertura ao mundo uma tradição que deve ser reinventada. “A globalização é a única maneira de manter a paz”, recordou.
A sua mensagem, mais do que económica, foi civilizacional: o futuro dependerá da capacidade de reencontrar propósito e rigor, e de projetar o país — e a Europa — para fora das suas fronteiras mentais.