O crescimento rápido é a ambição de qualquer empresa – mas pode tornar-se um risco quando a cultura não acompanha a velocidade. Neste artigo, Philipp Reisinger, lança a questão decisiva para quem lidera uma organização em expansão: como crescer sem perder a alma? A resposta não está apenas na tecnologia ou no capital, mas naquilo que muitas vezes permanece invisível — a cultura que orienta decisões, comportamentos e identidade.
Todo o empreendedor sonha em escalar. Mas quando a empresa ganha tração, o ritmo acelera, novas pessoas chegam e as decisões multiplicam-se, a complexidade cresce mais depressa do que a estrutura. É nesse momento que surge a pergunta que define a trajetória de uma scale-up: como crescer sem perder a alma da empresa?

Cultura não é um conceito abstrato. É o sistema operativo invisível que orienta decisões, comportamentos e prioridades. E nada pressiona tanto esse sistema como o crescimento. Escalar não é apenas aumentar a equipa ou abrir mercados. É lidar com mais diversidade de contextos, mais exceções e muito mais ruído. Quando o fundador já não está em todas as conversas, é a cultura que mantém a empresa coerente.
O cenário europeu reforça essa necessidade. Um estudo da Sage com milhares de líderes mostra que as scale-ups da União Europeia crescem, em média, 38 por cento ao ano. São números fortes. Mas, ao mesmo tempo, apenas 8 por cento das scale-ups globais estão na Europa. Ou seja, quem escala aqui enfrenta mais fragmentação, mais regulação e mais barreiras estruturais. Para sobreviver neste ambiente, a empresa precisa de uma base interna muito mais sólida.

O mesmo estudo mostra que as organizações mais maduras digitalmente crescem cerca de 32 por cento mais rápido. E essa diferença não nasce apenas da tecnologia, mas de culturas que incentivam a adaptação, a aprendizagem e a abertura à mudança. Investigações suíças observam o mesmo padrão: empresas com culturas orientadas para o desenvolvimento e a colaboração são precisamente as que mais conseguem implementar tecnologias complexas. Em outras palavras, a velocidade nasce do comportamento, não das ferramentas.
E há um ponto que precisa de ser dito com franqueza. Cultura não é estática. Muda, amadurece e, por vezes, precisa de ser reconstruída. Isso torna-se evidente quando a empresa cresce mais rápido do que os seus processos conseguem acompanhar. No Brasil, o desafio é idêntico. Na FIND, por exemplo, vivemos isso de forma muito concreta. Crescemos rápido, contratámos pessoas a um ritmo acelerado e, em vários momentos, trouxemos mais pessoas do que a cultura estava preparada para absorver. Isso gerou desafios reais: processos ainda imaturos, expetativas desalinhadas, rituais que tiveram de ser revistos e momentos em que a empresa precisou parar para se olhar ao espelho e decidir que tipo de organização queria continuar a ser.

Essas dores não significam fracasso. Significam evolução. Uma cultura forte não é a que resiste a tudo sem mudar. É a que permanece consciente o suficiente para ajustar o que precisa de ser ajustado sem abdicar do que a define.
Para os empreendedores, a mensagem é clara. Cultura não é um luxo. É o que garante que o crescimento seja sustentável. Rituais consistentes, princípios claros, contratação alinhada e comunicação transparente criam o ambiente onde a empresa consegue crescer sem perder identidade. E identidade, durante a escala, significa direção.
As empresas que ignoram isto enfrentam efeitos colaterais silenciosos: equipas desalinhadas, decisões contraditórias, microculturas isoladas e perda de velocidade. Já quando a cultura é cultivada com intenção, o efeito é o contrário. O onboarding acelera, as decisões fluem e os talentos certos escolhem ficar.

Escalar com consistência não é crescer a qualquer custo. É construir estruturas internas que continuem a funcionar quando o ritmo aperta. Capital e tecnologia podem ajudar a ganhar velocidade, mas é a cultura — incluindo a que evolui com o tempo — que garante que essa velocidade leve a empresa para o lugar certo.







