Gabriel Lages, diretor de Data & Analytics da Hotmart, falou com Bruno Perin para o Empreendedor sobre como transformar cada colaborador num criador orientado por dados — e por que a cultura maker é hoje o motor invisível das organizações que mais crescem no mundo.
Autonomia Estruturada: a arte de decidir rápido sem perder controlo
A Hotmart é um dos maiores exemplos globais da Creator Economy — um ecossistema que reúne milhões de criadores de conteúdo, produtos digitais e comunidades de aprendizagem. À frente da área de Data & Analytics, Gabriel Lages lidera o desafio de traduzir números em decisões estratégicas e de transformar a inovação em algo que se vive no dia a dia.
“Temos uma cultura de autonomia muito forte, mas sempre a pensar na empresa para os próximos dez anos”, afirma. Essa autonomia não é anarquia — é uma estrutura que equilibra liberdade e responsabilidade. Decisões com impacto de mercado passam por um fórum de líderes seniores; as operacionais fluem rapidamente pelas equipas, orientadas pelos três pilares da empresa: liberdade, autonomia e love — mas sempre sustentadas em dados.
O modelo resulta numa organização capaz de escalar decisões sem se perder na complexidade. “A genialidade está em separar o que move o mercado do que move o negócio”, resume Gabriel. O efeito é mensurável: uma estrutura que preserva a velocidade de uma startup com o rigor de uma grande corporação.
Cultura Maker: quando todos passam a ser criadores
A cultura maker, que começou como filosofia de do it yourself, tornou-se o alicerce da Hotmart. Gabriel explica que o objetivo é democratizar a capacidade de criar, testar e aprender — e não apenas centralizar inovação em departamentos específicos.
“A cultura maker ajudou-nos a estar num cenário diferente — realmente a IA está a entregar valor dentro do negócio”, afirma. Essa transformação tomou forma através do programa interno JEDAI, que oferece acesso livre aos principais motores de inteligência artificial, permitindo a qualquer pessoa desenvolver agentes, automatizações e novas soluções.
“Temos formações específicas para cada nível: liderança, técnicos e equipa geral. Queremos que todos compreendam como usar a IA e os dados para resolver problemas reais”, explica. Segundo ele, os fundadores da Hotmart — ambos engenheiros — sempre acreditaram que as pessoas deviam ter poder para construir o que imaginassem.
O resultado é uma empresa onde a experimentação é premiada e o erro é visto como parte do processo. “Preferimos testar rápido, aprender rápido e corrigir rápido. É o que nos mantém à frente num setor em constante mutação.”
A Inovação em Números: quando dados e criatividade se encontram
Mas como medir o impacto real dessa cultura? Gabriel responde com evidências. “Fizemos um teste com duas equipas de desenvolvimento durante dois meses — uma usou IA full, outra não. O resultado foi claro: a equipa com IA full teve 40% mais produtividade.”
O mesmo aconteceu com as equipas comerciais: “A IA não dorme, não desiste, não se cansa. Está sempre disponível. Isso permite-nos oferecer uma experiência mais consistente aos nossos clientes, e também libertar tempo dos vendedores para pensar estrategicamente.”
A inteligência artificial, nesse contexto, não substitui o talento humano — amplifica-o. Gabriel sublinha: “A IA não veio tirar o trabalho de ninguém. Veio tirar o trabalho chato de toda a gente. Quanto mais deixamos as máquinas fazerem o que fazem melhor, mais tempo temos para criar e pensar.”
O Futuro das Organizações: criatividade com método
A visão de Gabriel é clara: a vantagem competitiva das próximas décadas será cultural, não apenas tecnológica. “Empresas como a 3M, a Amazon ou o Google não cresceram por terem mais ferramentas, mas por terem mentalidades mais abertas. A inovação é um hábito coletivo, não um departamento.”
Na Hotmart, a cultura maker é vista como uma competência organizacional distribuída — um sistema em que cada pessoa é estimulada a resolver problemas com base em dados e a pensar como empreendedora. “A diferença entre quem usa tecnologia e quem cria com tecnologia é o que vai separar os líderes dos seguidores nos próximos cinco anos”, afirma.
O diretor de Data & Analytics acredita que esse é o verdadeiro papel das empresas modernas: “Não basta falar de transformação digital — é preciso que todos se sintam parte dela. E isso começa pela educação, pelo acesso à experimentação e pela confiança nas pessoas.”
A pergunta que fica
Quando questionado sobre o que mais o inspira neste processo, Gabriel sorri: “Ver alguém que nunca tinha programado construir um modelo preditivo em duas semanas é o melhor retorno que posso ter. É ver o poder da curiosidade a transformar uma cultura inteira.”
No final, deixa um desafio a quem lê: “A vossa empresa treina pessoas para usar ferramentas — ou para reinventar o trabalho com base em dados e evidências? Essa é a pergunta que vai definir o futuro.”