A ética corporativa tem sido um dos temas mais invocados e, paradoxalmente, menos compreendidos no contexto empresarial. Desde logo, porque é frequentemente retratada como um conceito abstrato e não como uma ferramenta concreta que deve estar implementada nos processos de decisão e no crescimento estratégico das organizações, sejam elas multinacionais, PME ou negócios individuais.
Muitas empresas afirmam, através da missão, que atuam sob “valores éticos”, mas quando são confrontadas com a forma como os aplicam, os monitorizam ou integram no quotidiano, revelam uma confusão persistente entre ética, compliance, ESG e os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS). Esta confusão, embora compreensível face ao caráter multifacetado da ética, deixou de ser meramente semântica: tornou-se estrutural e pode comprometer a eficácia da governação organizacional.

Quando a ética é reduzida a um conjunto de obrigações legais ou a políticas de conformidade, ela acaba por se converter num sinónimo de compliance. Por este motivo, é importante sublinhar que cumprir a lei constitui apenas o patamar mínimo esperado de qualquer entidade. A ética corporativa, pelo contrário, pressupõe ir além da legalidade, incorporando critérios de justiça, integridade e responsabilidade nas práticas diárias, mesmo em situações onde a lei se revele omissa ou ambígua.
No mesmo lance, importa salientar que ética corporativa não pode ser confundida com um discurso de “boas intenções”. A verdade é que, a sua ausência, sobretudo quando não é operacionalizada, expõe as empresas a riscos éticos invisíveis que estão presentes tanto nas decisões que são aparentemente triviais, como nos dilemas estratégicos de grande impacto. Nestes contextos, a chamada “zona cinzenta” é inevitável: os líderes e as equipas são, comumente, confrontados com situações em que o que está certo ou errado não se apresenta de forma imediata.

O modo como se lida com essa ambiguidade é, muitas vezes, o verdadeiro teste de stress à cultura ética de uma organização. Não é por acaso que incidentes reputacionais aparentemente menores, como o episódio mediático recente do CEO apanhado numa “kiss cam”, podem ser capitalizados a curto prazo (através de marketing), mas deixam uma marca irreversível na confiança pública (assim como outros casos como o escândalo do Facebook-Cambridge Analytica ou da 23andMe).
A questão que se coloca, então, é: como é que podemos começar a operacionalizar a ética de forma sistemática e consistente? O primeiro passo consiste, sem qualquer dúvida, numa alteração de mindset: abandonar a perceção de que ética é meramente filosófica e, por isso, inaplicável. A ética corporativa pode, e deve, ser tratada como qualquer outro domínio estratégico de uma empresa, com ciclos claros de diagnóstico, planeamento, ação, monitorização e melhoria contínua.
Por este motivo, também é igualmente necessário reconhecer que a ética corporativa implica responsabilidades distintas perante stakeholders diferentes. Isto significa que, para com a sociedade, importa garantir que as externalidades negativas das operações são mitigadas; para com os clientes, é crucial assegurar a transparência e evitar práticas como o greenwashing, ou a publicidade enganosa; e para com os trabalhadores, é essencial manter condições de trabalho justas, diversidade, equidade e inclusão e estabelecer canais de denúncia confiáveis. Sem este alicerce ético, tanto ESG e ODS ficam reduzidos a exercícios de imagem sem efetividade prática.

Tal como o retorno financeiro (ROI) é avaliado de forma sistemática, também a ética deve ser monitorizada através de indicadores claros. Exemplos de KPIs que podem ser adaptados a diferentes setores incluem: número de violações éticas reportadas vs. resolvidas; percentagem de fornecedores com códigos de conduta assinados e auditados; percentagem de trabalhadores com formação em ética, integridade e diversidade; número de avaliações éticas realizadas antes de decisões críticas (como aquisições ou lançamentos de produto); taxa de resposta a alertas de auditoria ética; e incidentes com medidas corretivas efetivamente implementadas. Estes indicadores traduzem a ética corporativa em métricas tangíveis, tornando-a mensurável e comparável ao longo do tempo. Podem, e devem, ser adaptados à escala da organização: uma PME ou um empresário em nome individual pode, por exemplo, começar por monitorizar dois ou três indicadores.

Mais do que um atributo simbólico, a ética corporativa deve ser entendida como parte integrante de um sistema de governação. Este sistema, quando é devidamente estruturado, integra normas, práticas, pessoas, dilemas e canais de decisão que não só protegem a reputação da empresa, como ainda criam um valor sustentável, reforçam a confiança dos stakeholders e previnem riscos reputacionais, legais e sociais.
No atual contexto, em que tecnologia e inovação moldam diariamente as atividades empresariais, ignorar a ética corporativa equivale a assumir um risco demasiado elevado. Pelo contrário, integrá-la de forma progressiva, pragmática, mensurável e orientada para a criação de valor transforma-a numa vantagem competitiva e diferenciadora, bem como numa condição indispensável para a resiliência e sustentabilidade futura das organizações e, igualmente, de empresários.