Geopolítica e desigualdade: o retrocesso silencioso na tecnologia

A instabilidade política e a retração das políticas de diversidade estão a provocar um retrocesso na igualdade de género na tecnologia.

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O relatório Women in Tech 2025 da Web Summit revela um dado alarmante: 60% das mulheres acreditam que a igualdade de género na tecnologia piorou no último ano. A perceção de retrocesso aumentou significativamente face a 2024, quando apenas 48% partilhavam dessa visão.

A principal razão apontada pelas inquiridas é o impacto negativo das mudanças geopolíticas globais. Quase 56% consideram que as políticas atuais e a instabilidade internacional estão a enfraquecer a equidade de género, enquanto apenas 16% veem algum efeito positivo. Esta tendência é atribuída à redução de programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI), ao corte de fundos para bolsas de requalificação feminina e ao regresso de discursos conservadores que minimizam o papel das mulheres na inovação.

Retrocesso nas políticas públicas e empresariais

O estudo, que abrangeu 671 mulheres de 45 países, mostra também que a confiança nas instituições está em queda. Apenas 29% acreditam que os seus governos estão a tomar medidas eficazes para combater a desigualdade, uma descida face aos 31% registados no ano anterior. No setor tecnológico, só 39% reconhecem esforços adequados por parte das empresas.

Em vários testemunhos, as participantes associam o declínio a um contexto político mais hostil: “Ter presidentes que desprezam os direitos humanos e as mulheres em liderança envia uma má mensagem para todos”, afirmou uma das inquiridas.

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O efeito dominó das crises globais

A guerra na Ucrânia, a escalada de conflitos no Médio Oriente e as tensões comerciais entre potências tecnológicas são fatores que, segundo o relatório, desviam recursos e atenção das agendas de igualdade. Esta “economia de guerra” tem reduzido investimentos em formação e diversidade, afetando sobretudo programas que impulsionavam a presença feminina em áreas STEM.

Além da retração financeira, o estudo identifica um efeito cultural: o avanço de correntes populistas e nacionalistas tem criado um ambiente onde a retórica de inclusão perde força política. O resultado é um retrocesso silencioso, menos visível nas leis do que nas prioridades de investimento e gestão.

As consequências dentro das empresas

Os impactos geopolíticos refletem-se também no quotidiano das empresas tecnológicas. De acordo com o relatório, 49% das mulheres ainda enfrentam sexismo ou discriminação no trabalho, e mais de 80% sentem necessidade de provar continuamente o seu valor. O fenómeno de “bro culture” — a cultura masculina dominante em equipas técnicas — regressa com força, dificultando a ascensão e a retenção de talento feminino.

Apesar deste contexto, 81% das mulheres afirmam sentir-se prontas para liderar, um contraste que revela resiliência, mas também a necessidade de estruturas que sustentem esse potencial num ambiente menos estável.

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Um apelo à ação global

Ao completar uma década do seu programa Women in Tech, a Web Summit defende que a igualdade de género na tecnologia depende agora da cooperação internacional. A organização alerta que a equidade não pode ser tratada como uma prioridade conjuntural, sujeita a ciclos políticos, mas como um eixo estrutural da inovação e do desenvolvimento económico.

Enquanto as políticas públicas recuam, cresce o papel das comunidades e redes de mulheres que procuram preencher o vazio institucional. Este movimento, impulsionado pela sociedade civil, pode ser o último reduto de um avanço que, pela primeira vez em anos, parece estar em risco.

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