A ideia de que “os jovens já não querem trabalhar” repete-se com a segurança de um provérbio. Diz-se nas redações, nas empresas e até nas entrevistas de líderes empresariais que ainda não perceberam que o mundo do trabalho mudou mais nos últimos dez anos do que em todo o último século. Mas será mesmo desinteresse? Ou será lucidez?
Quem hoje tem vinte e poucos anos cresceu num país em crise quase permanente, viu pais desempregados, familiares emigrados, contratos rasgados e empresas que prometiam carreiras e deixaram dívidas. Entraram no mercado de trabalho a recibos verdes ou em estágios prolongados, num ambiente onde palavras como “progressão” ou “estabilidade” soam mais a piada do que a promessa. E é neste cenário que lhes exigem entrega, entusiasmo e camisolas vestidas.
Curiosamente, quem os acusa de “falta de ambição” são muitas vezes os mesmos que, nas últimas décadas, promoveram uma cultura empresarial baseada em cortes, precariedade e discursos motivacionais de PowerPoint. Esquecem-se que a lealdade se constrói com exemplo, e que nenhum colaborador vai dar mais do que aquilo que recebe — não apenas em salário, mas em respeito, propósito e futuro.

Nas redes sociais e nas conversas de corredor, já se usa o termo em inglês: quiet quitting. Mas não se trata de desistência — trata-se de um novo contrato psicológico. Um pacto silencioso: trabalho sim, mas até onde fizer sentido. Produção, sim, mas com limites. Compromisso, sim, mas não incondicional. Muitos gestores não sabem lidar com isto. Acusam os jovens de falta de empenho, quando o que realmente enfrentam é a consequência direta de uma liderança incapaz de inspirar ou dar rumo.
A verdade é esta: muitos dos que hoje ocupam cargos de chefia continuam presos a modelos de gestão baseados na autoridade, no controle e na chantagem emocional. Confundem exigência com arrogância, confundem lealdade com servilismo. Talvez esteja na hora de se falar — com seriedade — de formação e requalificação profissional. Não para os jovens, mas para alguns líderes. Aqueles que ainda acreditam que uma entrevista de emprego serve para testar submissão, ou que um ordenado baixo se compensa com “bom ambiente”.

Sim, há jovens desinteressados, como sempre houve. Mas há, também, uma geração inteira que não está disposta a sacrificar a saúde mental, os relacionamentos e os seus próprios valores por uma empresa que não sabe onde vai estar amanhã. Não é comodismo. É cálculo. É inteligência emocional aplicada ao mundo laboral.
A questão, portanto, já não é se a Geração Z está preparada para o mercado de trabalho. A verdadeira questão é se o mercado — e muitos dos que o lideram — estão preparados para uma geração que não tem medo de dizer que o rei vai nu.