Lei europeia dos Serviços Digitais não está adaptada à nova realidade da Internet

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Um relatório da Portugal Tech League considera que a Digital Services Act (DSA), que deverá ser aprovada pela União Europeia, pode desincentivar a criação e expansão de serviços digitais inovadores na UE. O relatório preparado pelo projeto que agrega a comunidade digital para o debate de temas regulatórios alerta para a necessidade de uma lei que reflita um novo paradigma global de regulamentação da Internet e salvaguarde a integridade de startups e PME’s.

Na véspera do Parlamento Europeu definir o seu mandato negocial sobre a Lei dos Serviços Digitais, na fase final das negociações com o Conselho da UE, a Portugal Tech League, avalia que a proposta de regulamento, apesar de preservar os princípios-chave da Diretiva sobre o Comércio Eletrónico estabelecida há vinte anos, pode desincentivar a criação e expansão de serviços digitais inovadores na União Europeia (UE), se não for adaptada à nova realidade da internet.

O relatório é uma iniciativa que envolve diferentes setores da comunidade tecnológica portuguesa para a clarificação e discussão de políticas digitais europeias, e foi preparado para sublinhar, junto dos legisladores em Lisboa e Bruxelas, a importância de a Lei dos Serviços Digitais ter em conta o papel fundamental desempenhado por startups e PME’s na dinamização do Mercado Único Digital.

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De acordo com os fundadores da iniciativa, “se antes, a Diretiva sobre o Comércio Eletrónico era suficiente, agora, com a transição para uma internet mais interativa e com o aparecimento de novos serviços e tecnologias, a Lei dos Serviços Digitais é a oportunidade de trazer a diretiva para o século XXI. Com esta evolução surgem novos riscos, por isso o desafio é enfrentá-los sem impedir a inovação, com a criação de uma proposta regulamentar que não seja demasiado prescritiva, complexa e onerosa”.

“o desafio é enfrentar os riscos sem impedir a inovação”

Neste sentido, para definir uma abordagem europeia comum para a regulação dos serviços digitais, e a pretexto da fase final das negociações entre o Parlamento Europeu e o Conselho da UE iniciar-se ainda durante o mês de janeiro, a Portugal Tech League propõe cinco recomendações:

#1. Aplicabilidade num contexto transfronteiriço

O princípio do “país de origem”, que permite às empresas operarem nos 27 Estados-Membros, não deve ser negociável, garantindo a segurança jurídica necessária para que startups possam funcionar como empresas globais e testar as suas inovações em vários mercados da UE a partir de um único local. Uma vez que os fundamentos jurídicos para os casos de execução num contexto transfronteiriço não proporcionam uma base jurídica autónoma para as autoridades nacionais emitirem diretamente ordens para os prestadores de serviços online agirem contra um conteúdo ilegal específico, as leis nacionais continuam a ser a base para adotarem qualquer tipo de ordem emitida. Ou seja, as diferentes abordagens seguidas pelas autoridades competentes dos Estados-Membros da UE podem levar a uma fragmentação na execução de tais ordens. Para uma startup, realizar uma análise prévia de todas as leis que definem o conteúdo ilegal numa determinada jurisdição e receber ordens de atuação de qualquer autoridade da UE, com base no que é ilegal num Estado Membro específico que não aquele em que está baseada, desencorajaria efetivamente o seu crescimento e teria custos enormes, frustrando involuntariamente os benefícios do “princípio do país de origem” para o Mercado Único. Assim, a prioridade deve ser preservar o sistema do “país de origem”, uma vez que facilita a livre circulação de bens, serviços e empresas em toda a UE.

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#2. Assegurar uma Internet livre, aberta e plural

A moderação de conteúdos, tal como concebida na Lei dos Serviços Digitais, não beneficia empresas de menor dimensão, dificultando assim uma utilização mais eficaz e eficiente das ferramentas de moderação. Como tal, é importante reconhecer a diversidade da economia de plataformas online em mais detalhe, para que as empresas de menor dimensão não sejam penalizadas em resultado de um alcance mais restrito – uma consequência que não trará quaisquer benefícios para os objetivos a atingir. Adicionalmente, a Portugal Tech League defende a não introdução de mecanismos stay-down, que obrigam as plataformas online a utilizar filtros que impeçam o reaparecimento de conteúdos previamente removidos. Sem clarificar especificamente as circunstâncias em que estes mecanismos deveriam ser aplicados, haveria o risco de anular o princípio geral consagrado na Diretiva do Comércio Eletrónico, e mantido na Lei dos Serviços Digitais, segundo o qual não deveriam ser impostas obrigações gerais de controlo aos prestadores de serviços intermediários.

#3. Separar obrigações das condições de isenção de responsabilidade

O cumprimento das obrigações por parte das plataformas não deve ser critério para que possam beneficiar do regime de isenção de responsabilidade. Caso contrário, a isenção de responsabilidade não será obtida para os operadores com menos recursos. Todas as startups e PMEs têm interesse em garantir que os seus serviços sejam seguros para os seus utilizadores. Como tal, devem ter flexibilidade suficiente para implementar o seu próprio mecanismo de rastreabilidade dos comerciantes, bem como os mecanismos internos de tratamento de reclamações e de resolução extrajudicial de litígios. Em última instância – mas sem nenhum prejuízo da necessidade de aumentar a responsabilidade dos prestadores – a Lei dos Serviços Digitais deve promover o princípio de que os utilizadores e consumidores individuais são responsáveis pelo seu comportamento e atividades online, sob pena de criarmos as condições para uma internet menos livre, aberta e plural.

#4. Moderação de conteúdo para startups

A Portugal Tech League vê com bons olhos a harmonização das regras em torno dos mecanismos de notificação e ação ao nível europeu para a moderação de conteúdo. Por outro lado, qualquer abordagem regulatória baseada no risco, embora eficiente, vai exigir dos intermediários a ponderação de um equilíbrio entre direitos fundamentais eventualmente concorrentes (ao avaliarem se determinados conteúdos devem ser removidos) ou se o acesso deve ser restringido. Neste sentido, a Lei dos Serviços Digitais não deve introduzir prazos curtos para a remoção de conteúdos e não deve dar às autoridades nacionais o poder de o fazer, precisamente para não inviabilizar a capacidade de resposta das entidades com menores recursos financeiros e humanos.

Foto de Nathana Rebouças no Unsplash

#5. Publicidade dirigida para concorrer com os incumbentes

A Portugal Tech League apoia o facto de a Lei dos Serviços Digitais não proibir a publicidade direcionada e de reconhecê-la como uma das atividades económicas cruciais das plataformas online. Muitas vezes, esta é a única forma de startups e PME’s lançarem os seus produtos, serviços, ou bens num segmento de mercado específico, alcançando potenciais clientes e consumidores com baixo custo. Por conseguinte, uma proibição da publicidade dirigida impediria startups de competir com os intervenientes já estabelecidos no mercado.

“Numa altura em que legisladores de todo o mundo se debatem com questões de responsabilidade e moderação de conteúdos, a Lei dos Serviços Digitais é de facto uma oportunidade única de o fazer corretamente. Se esta oportunidade for bem aproveitada, a Lei assumirá um papel proeminente ao dar substância à estratégia digital da União Europeia. Da mesma forma, posicionará a UE à frente de qualquer outro bloco económico e político no mundo em termos de governação digital, sem qualquer concorrência à vista”, acrescentam os membros da Portugal Tech League.

“Se esta oportunidade for bem aproveitada posicionará a UE à frente da governação digital”

Além de querer tornar as políticas digitais propostas pela União Europeia mais compreensíveis para a comunidade digital e de inovação, uma das missões centrais da Portugal Tech League é também a recolha de contribuições do ecossistema para a preparação de position papers como este, dedicado à Lei dos Serviços Digitais. Neste sentido, é possível aceder também a um explicador, bem como a um podcast de fácil compreensão sobre o tema nesta página.

A Portugal Tech League é uma iniciativa criada pela consultora de inovação colaborativa Beta-i para agregar diferentes agentes do ecossistema de inovação, dentro e fora de Portugal, a favor das startups e da economia digital como um todo, incluindo as PME’s. Os founding partners incluem Allied for Startups, AWS – Amazon Web Services, CIP – Confederação Empresarial de Portugal, Eupportunity, European Startup Network, FDUCP – Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, GeSI – Global Enabling Sustainability Initiative, Google, Investors Portugal, Microsoft, Startup Portugal, Startup Sesame, Sapo Tek, Talkdesk e VdA Advogados.

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