Portugal no European Grids Package: do apagão ibérico à liderança na transição energética

A participação de Portugal no European Grids Package coloca o país no centro das prioridades estratégicas da União Europeia

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A posição de Portugal no debate sobre a modernização das redes elétricas europeias ganhou dimensão estratégica no final de 2025, com o anúncio do European Grids Package pela Comissão Europeia. O pacote tem como objetivo responder a gargalos estruturais que limitam a integração de renováveis, a flexibilidade do sistema e a segurança energética do continente ‑ desafios que Portugal já experienciou de forma traumática no terreno.

A inclusão de projetos nacionais na lista de Projects of Common Interest (PCI) da União Europeia reforça essa relevância: a interconexão elétrica entre Portugal e Espanha foi novamente qualificada como prioridade estratégica, destacando o papel português na formação de uma rede mais integrada e resiliente.

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Apagão ibérico e fragilidades estruturais

O apagão na Península Ibérica em abril de 2025, que deixou grande parte de Portugal e Espanha sem energia durante horas, expôs vulnerabilidades profundas na rede elétrica regional. O evento — cuja causa está ainda sob investigação e será aprofundada por um relatório técnico da ENTSO-E em 2026 — foi desencadeado por uma falha em Espanha que desencadeou uma cascata de desconexões em larga escala, refletindo a dependência de fluxos externos e a complexidade crescente de gerir um sistema com elevada penetração de renováveis.

Em Portugal, a interligação quase contínua com a rede espanhola implicou que a falha externa se propagasse rapidamente, interrompendo transportes, comunicações e serviços básicos. Embora o país tenha restaurado gradualmente o fornecimento, o episódio revelou uma necessidade urgente de reforçar a autonomia operacional da rede e a capacidade de resposta a choques sistémicos.

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Investimento e modernização: resposta portuguesa

O Governo português reagiu com uma estratégia de modernização da rede elétrica com investimento total previsto de cerca de €400 milhões, concebida para aumentar a resiliência, a flexibilidade e a capacidade de integração de energia renovável. Esta iniciativa inclui 31 medidas que vão desde a aceleração de projetos já aprovados a iniciativas pioneiras de gestão digital da rede, leilões de armazenamento e reforço de infraestruturas críticas, como hospitais e sistemas de água, através de painéis solares e baterias.

Dentro deste plano, uma parte significativa — cerca de €137 milhões — será dedicada a melhorar o controlo e a gestão da rede, incluindo a implementação de sistemas avançados de monitorização e resposta a desequilíbrios, essenciais num sistema cada vez mais dominado por fontes renováveis intermitentes. Além disso, o país pretende expandir a capacidade de baterias de rede dos atuais níveis simbólicos para centenas de megawatts, reforçando a estabilidade frente a flutuações de carga e produção.

Paralelamente, o Governo tem promovido a criação de um “Mapa Verde” de áreas pré-aprovadas para geração renovável e simplificação dos processos de licenciamento para projetos de autoconsumo e energia comunitária, reduzindo prazos e incertezas que tradicionalmente atrasam a infraestrutura energética.

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Integração europeia e ligações transfronteiriças

No plano transnacional, Portugal tem trabalhado com Espanha e outras entidades para reforçar as interligações elétricas e a resiliência do sistema ibérico no contexto europeu, reconhecendo que a integração física com redes históricas, com França e além, é condição indispensável para reduzir o risco de falhas em cascata e promover trocas seguras de energia.

A inclusão de infraestruturas portuguesas na lista de prioridades comunitárias não só melhora o acesso a financiamento, tal como previsto no European Grids Package, como também posiciona o país como parceiro de referência na transição energética da União Europeia, particularmente em eletrificação, renováveis e hidrogénio verde.

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Desafios e oportunidades no contexto português

A resposta nacional ao apagão e a integração das prioridades portuguesas no European Grids Package destacam uma visão estratégica que vai além da mera adaptação técnica. A modernização da rede elétrica portuguesa assume-se como liderança em flexibilidade, digitalização e integração renovável, convertendo desafios sistémicos em oportunidades económicas e industriais — desde o armazenamento energético até ao desenvolvimento de tecnologias inteligentes.

Contudo, persiste o desafio da capacidade de execução e aceleração dos investimentos, um ponto também identificado no debate europeu. A necessidade de digitalizar processos, remover gargalos administrativos e criar mecanismos regulatórios que incentivem soluções flexíveis é tanto nacional quanto continental.

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