Ecossistema tecnológico europeu mostra sinais de resiliência face a ano desafiante

Capa do relatório (foto de Atomico)

A Atomico, uma das principais empresas de capital de risco da Europa lançou o seu relatório anual sobre o “Estado da Tecnologia Europeia”. No estudo Portugal destaca-se como o país com o melhor índice de diversidade de género na Europa e um dos que tem a maior taxa de emprego no setor das tecnologias. A pesquisa refere ainda o despedimento de mais de 14,000 trabalhadores de empresas tecnológicas sediadas na Europa, que representa 7% do total de layoffs a nível mundial.

Apesar de um início de ano em força, o investimento em tecnologia deverá ficar-se pelos 85 mil milhões de dólares, um valor abaixo do recorde registado no ano passado, mas ainda assim representa o segundo maior volume de investimento no ecossistema tecnológico europeu. A indústria tecnológica ucraniana refletiu a maior resiliência europeia, apesar da guerra. Nos primeiros oito meses de 2022, as TIC na Ucrânia cresceram 16% face ao ano anterior.

Esta é já a 8ª edição da fonte de dados mais influente e credível sobre o empreendedorismo e setor tecnológico na Europa. O “State of European Tech” foi desenvolvido pela Orrick, Silicon Valley Bank e Atomico e analisa o panorama atual e a evolução da indústria tecnológica em Portugal e na Europa a partir de uma pesquisa realizada em setembro e outubro de 2022, a partir de mais de 4.000 respostas qualificadas.

Em 2022 a indústria da tecnologia viveu um ano caracterizado por ventos contrários do ponto de vista macroeconómico e geopolítico, algo que resultou em dois semestres desiguais. Até junho de 2022, o volume de investimento em tecnologia europeia era 4% superior, face ao período homólogo de 2021. No entanto, no segundo semestre do ano uma queda acentuada no capital de investimento perspetiva que o volume total ficará aquém do recorde do ano passado (100 mil milhões de dólares), estimando-se em 85 mil milhões.

Apesar deste ser considerado o ambiente macroeconómico mais difícil desde a Crise Financeira Global, o investimento deste ano será mais do que o dobro do registado em 2020 (38.8 mil milhões de dólares).

“Este ano foi contraditório face às expectativas, mas temos de olhar para lá dos últimos 24 meses”, sublinha Sarah Guemouri, Diretora da Atomico e Coautora do relatório. “Os números em termos de angariação de financiamento, a que nos habituámos no ano passado, eram astronomicamente altos, daí que possamos estar otimistas, uma vez que aquilo que estamos a testemunhar em 2022 continua a revelar níveis significativamente mais elevados do que há apenas dois anos.”

Para Sarah Guemouri os fluxos e refluxos são naturais do amadurecimento do ecossistema. “Não devemos desprezar os progressos registados na atual conjuntura que tem impactado vários setores de atividade um pouco por todo o mundo.”

Foto de Visual Tag Mx em Pexels

Contração nos mercados reduz financiamento

De acordo com dados os quantitativos recolhidos pela Atomico nos 41 países europeus, as empresas de tecnologia europeias desvalorizaram cerca de 400 mil milhões de dólares desde o início de 2022. O valor total do ecossistema europeu desceu para 2,7 biliões de dólares, face a um pico de 3,1 biliões no final de 2021. Porém, este mesmo valor não deixa de ser 5 vezes superior aos valores de 2015.

O volume de negociações baixou na Europa, mas aumentou em Portugal. No primeiro semestre de 2022, registou-se um total de 133 rondas de financiamento de 100 milhões de dólares ou mais, ultrapassando os totais dos anos de 2019 e 2020 juntos. No entanto, com apenas 37 rondas de financiamento desta dimensão no segundo semestre do ano, estamos perante uma quebra generalizada do número de grandes rondas de financiamento.

82% dos entrevistados fundadores entrevistados neste estudo acreditam que é agora mais difícil aceder a capital de risco do que há 12 meses. Ao contrário desta tendência, em Portugal o nível de investimento aumentou 3.4 vezes face ao ano passado.

Esta contração no investimento levou também ao aumento nos layoffs, mas também aqui Portugal está em contraciclo, com os índices mais elevados de emprego no setor da tecnologia. Portugal é dos países com maior taxa de emprego dentro do setor das tecnologias, com mais do dobro da proporção comparativamente aos restantes mercados europeus. 

Até à data do estudo tinham sido despedidos mais de 14,000 trabalhadores de empresas de tecnologia sediadas na Europa, equivalente a 7% do total de layoffs de trabalhadores a nível mundial.

Por outro lado, o índice de oportunidades de emprego em tecnologia categorizadas como “difíceis de preencher” (o que significa que permaneceram sem preenchimento por mais de 60 dias após a sua listagem) aumentou em 2022 em comparação com 2021, no conjunto da Europa. Portugal é o único caso atípico onde se registou um declínio neste tipo de empregos, embora, no caso português esse número era substancialmente elevado em 2021 (57%).

A janela das IPO aparenta ter-se fechado e não apenas na Europa. Registaram-se apenas três IPOs no sector da tecnologia com uma capitalização de mercado superior a mil milhões de dólares na Europa e nos EUA em 2022 ( e duas dessas IPOs aconteceram na Europa). Se compararmos este número com as 86 registadas nesse grande ano, que foi notável em termos de IPOs, verificamos uma redução de 30 vezes no volume de IPOs no setor tecnológico.

“O ecossistema tecnológico europeu, como o conhecemos, tem apenas 20 anos e, nesse período, amadurecemos a um ritmo incrível. O verdadeiro fator de sucesso do setor está no talento, na inovação e na criação de empresas a longo prazo. Os elementos cruciais deste puzzle continuam bastante válidos, com 44 mil milhões de dólares em fundos de capital de risco europeus prontos para serem investidos nas oportunidades certas. Em termos da pujança subjacente do nosso ecossistema, as coisas mudaram menos do que pensamos” refere Tom Wehmeier, Partner e Diretor do Departamento de Estudos da Atomico e Coautor do relatório.

Foto de Fox em Pexels

Ecossistema em fase de amadurecimento

Apesar da saída de alguns investidores, o ecossistema tecnológico europeu continua a beneficiar de um conjunto diversificado de investidores experientes e bastante ativos. Existem mais de 3.200 instituições únicas que participaram em, pelo menos, um investimento na Europa em 2022 até ao momento.

O talento também está a ser reciclado e transferido de uma geração de empresas para a próxima, tendo em conta que 55% dos fundadores e 59% dos líderes em 2022 têm experiência multigeracional, enquanto 22% dos fundadores e líderes têm experiência de trabalho em empresas avaliadas em mais de mil milhões de dólares. 

Atualmente, o grupo da segunda década de 2000 de novos fundadores que “se formaram” em unicórnios de sucesso é de quase 700 – cerca de 25 vezes mais do que o número de novos fundadores na primeira década de 2000. Isto gerou assim a maior cadeia de talentos que a Europa alguma vez teve.

No final de 2021, o último período para o qual existem dados abrangentes e fiáveis, os investidores europeus de capital de risco e de crescimento tinham capital disponível na ordem dos 84 mil milhões de dólares, um aumento de quase 3 vezes em cinco anos.

É de esperar um abrandamento no que respeita à rápida aplicação de capital em 2023, mas estes dados transmitem alguma segurança ao mercado de que haverá liquidez de capital, mesmo em caso de uma conjuntura mais difícil em 2023.

Sinal positivo é o da diversidade de género, onde Portugal ocupa a primeira posição. Analisando as rondas de financiamento atribuídas a equipas exclusivamente masculinas versus femininas e mistas, na Europa, há 4.3 vezes mais financiamento para homens do que para mulheres. Portugal tem dos melhores indicadores nesta área e está abaixo da média europeia com um índice de 3.5.

Na foto: Sarah Guemouri e Tom Wehmeier coautores do estudo (Atomico)

Compromisso com a sustentabilidade continua no topo da agenda

Os níveis de investimento europeu em empresas com sentido de missão deverão superar os valores recordes de 2021, sendo a Europa agora responsável pela maior fatia (51%) de todo o investimento em empresas de tecnologia com sentido de missão e em fase inicial, a nível global, tendo em conta o capital investido em rondas de financiamento até 20 milhões de dólares.

Este ano, as empresas Planet Positive conseguiram novas quotas de mercado no mercado de tecnologia mais amplo, captando para si 15% do total do financiamento europeu até agora, uma subida de 12% face ao ano passado. Até o momento, isto representa 10,3 mil milhões de dólares investidos em empresas de tecnologia com o lema Planet Positive.

No que toca à América do Norte e à Ásia o investimento em empresas com sentido de missão diminuiu cerca de 50% e 65%, respetivamente, em 2022 face ao ano passado. Existem agora 42 unicórnios europeus classificados como empresas com sentido de missão, representando assim 12% de todos os unicórnios europeus.

O setor da tecnologia da Ucrânia tem sido fundamental para a economia do país. A indústria tecnológica ucraniana refletiu a maior resiliência europeia, apesar da guerra. Nos primeiros oito meses de 2022, as TIC na Ucrânia cresceram 16% face ao ano anterior. O setor de inovação tecnológica é a única indústria de exportação que gera rendimentos em moeda estrangeira de forma estável para a Ucrânia.

A maioria das empresas de TIC ucranianas (85%) regressou aos indicadores pré-guerra e 77% das empresas de TIC do país atraíram novos clientes desde o início da guerra. E apesar da guerra uma empresa ucraniana qualificou-se como unicórnio: a Unstoppable Domains que cria sites incensuráveis usando domínios protegidos por blockchains.

“Estamos a viver um período de incerteza nos mercados – e os dados sugerem claramente que os fundadores farão bem em manterem-se concentrados na eficiência, sustentabilidade e rentabilidade em vez do crescimento desenfreado. Dito isto, o leque de investidores é maior do que nunca e o papel da tecnologia na economia europeia é muito diferente do que durante o último abrandamento. Na verdade, é fundamental para resolver a crise ambiental e outros desafios que enfrentamos como sociedade”, explica  Chris Grew, Partner, da Technology Companies Group, da Orrick.

Também Simon Bumfrey, Diretor do Departamento de Gestão de Contas Comerciais para a Europa, da filial do Silicon Valley Bank no Reino Unido considera que “O abrandamento ao nível do investimento não é surpresa para ninguém, mas, no geral, tem sido encorajador ver empresas a adaptarem-se rapidamente aos desafios com tanta tenacidade e agilidade. E, em virtude disso, estamos a assistir agora a um forte fluxo de investimentos em estágio inicial e um reforço do financiamento da dívida, o que ajudará as empresas a navegar no futuro e impulsionar o crescimento, e estamos confiantes de que a economia da inovação saíra daqui mais forte do que nunca.”

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