Bruxelas reconhece limites no modelo europeu de inovação

Bruxelas reconhece os limites da inovação na Europa e aposta em 14 mil milhões no Horizonte Europa, mas persistem dúvidas sobre risco, escala e tração.

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A UE apresenta o programa de trabalho Horizonte Europa, no valor de 14 mil milhões de euros, para impulsionar a IA, a descarbonização e atrair talentos globais, mas admite que os desafios não se limitam ao financiamento.

Inovação europeia ocupa hoje um lugar central na agenda política da União Europeia. A apresentação do programa de trabalho Horizonte Europa 2026–2027, no valor global de 14 mil milhões de euros, confirma essa prioridade. Mas o documento revela algo mais relevante do que o montante do investimento: um reconhecimento explícito, por parte da Comissão Europeia, de que o ecossistema europeu continua a ter dificuldade em transformar ciência, talento e financiamento em tração económica sustentada.

Enquanto programa final do ciclo 2021–2027 do Horizon Europe, o plano define as prioridades científicas e tecnológicas da União para os próximos anos, com forte foco na inteligência artificial, na descarbonização e na atração de talento global. Ao mesmo tempo, funciona como um diagnóstico institucional sobre os bloqueios estruturais que têm limitado a capacidade europeia de escalar inovação.

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Um diagnóstico institucional pouco habitual

Ao contrário de comunicações mais genéricas, o novo programa assume que o problema da inovação europeia não reside na falta de investimento ou de conhecimento. Desde 2021, o Horizonte Europa mobilizou 93,5 mil milhões de euros através de concursos públicos orientados por missões e prioridades estratégicas. Ainda assim, a conversão desse esforço em empresas globais e liderança tecnológica permanece limitada.

O documento reconhece falhas persistentes na ligação entre investigação, mercado e adoção em larga escala. Há muitos projetos, muitos intermediários e demasiada fragmentação. Num sistema fortemente orientado para a cooperação e para o consenso, o risco tende a ser distribuído — e, com ele, dilui-se a ambição de criar vencedores claros.

Investir mais não resolve, por si só, o problema da escala

O programa 2026–2027 procura responder a esse diagnóstico com uma combinação de investimento estratégico e ajustamentos operacionais. Estão previstos financiamentos significativos para tecnologias limpas, com 540 milhões de euros destinados a apoiar o Pacto Industrial Limpo, bem como 90 milhões de euros para aplicações de inteligência artificial na ciência, alinhadas com a ambição europeia de uma IA ética e segura. A regeneração urbana sustentável surge também como prioridade, através da Nova Bauhaus Europeia.

Estes números reforçam a escala do compromisso europeu, mas também evidenciam um traço recorrente do modelo: a confiança no investimento orientado por programas como principal motor da inovação. O risco é conhecido — sem mudanças nas condições de mercado, na velocidade de decisão e na tolerância à falha, mais financiamento pode significar mais atividade, sem necessariamente gerar mais tração.

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Simplificar processos, mas manter o controlo

Uma das mensagens políticas associadas ao novo programa é a simplificação. A comissária Ekaterina Zaharieva afirmou que o Horizonte Europa foi tornado “mais simples e acessível às PME, startups e recém-chegados”, com um programa de trabalho 33% mais curto e maior recurso a financiamento em parcela única. Avaliações em duas fases e procedimentos mais leves procuram reduzir a carga administrativa.

Estas medidas respondem a críticas antigas do ecossistema, mas não alteram o núcleo do modelo: a inovação continua fortemente enquadrada por regras, calendários e critérios públicos. A simplificação melhora o acesso, mas não resolve, por si só, a lentidão estrutural nem a aversão ao risco que caracterizam muitos processos de decisão.

Talento global e coordenação como resposta política

Outro eixo central do programa é a atração de talento. A iniciativa Choose Europe é reforçada com 50 milhões de euros para ações Marie Skłodowska-Curie, complementada por investimento em infraestruturas de investigação e por 240 milhões de euros em Cátedras do Espaço Europeu de Investigação, destinadas a regiões com ecossistemas menos maduros.

A estratégia é clara: tornar a Europa mais atrativa para investigadores e inovadores num contexto de competição global crescente. No entanto, esta aposta reforça uma lógica conhecida — captar talento é essencial, mas não suficiente, se o ambiente económico e regulatório continuar a limitar a criação e o crescimento rápido de empresas inovadoras.

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Reconhecer os limites é apenas o primeiro passo

O mérito do programa Horizonte Europa 2026–2027 está na clareza do diagnóstico e na tentativa de corrigir falhas reconhecidas. Bruxelas admite, de forma implícita mas consistente, que o ecossistema europeu produz conhecimento e projetos, mas falha na fase crítica da escala e da execução.

A resposta continua, contudo, ancorada num modelo de planeamento robusto, investimento elevado e coordenação institucional. A dúvida que permanece é se esta abordagem será suficiente num contexto global marcado por velocidade, decisões assimétricas e maior tolerância à falha. Sem uma mudança mais profunda nas condições de risco e de mercado, a inovação europeia poderá continuar forte na intenção e no investimento, mas frágil na tração e na liderança global.

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